Estava-mos no início dos anos 50, a Europa procurava erguer-se dos escombros da 2ª Grande Guerra.
Em Portugal, o Estado Novo estava em força, com todos os seus meios dedicados ao silenciar das vozes incómodas ao regime, tarefa destinada à PIDE, que tinha lançado os seus tentáculos a todos os lugares, recorrendo-se dos seus informadores locais, a que o povo chamava de “bufos”.
Na Ribeira esses senhores também “ mostraram os dentes “ chegando mesmo a morder em alguns seus conterrâneos, com quem não simpatizavam.
O padre da freguesia tinha instituído “ as Rondas”, uma espécie de visitas cirúrgicas que efectuava ao domingo, percorrendo os vários lugares da paróquia, à procura de casais de namorados.
Nesse tempo o namoro era feito à porta de casa, na ida à fonte ou nos largos existentes nos vários lugares, sempre bastante acompanhados e sob a vigia discreta das mães ou tias.
Nessas “ rondas”, quando alguém era interceptado, já sabia que podia contar com o interrogatório da praxe e no domingo seguinte o seu nome seria sentenciado no altar, como forma de represália pelo atentado à moral e bons costumes defendidos pelos cânones do estado novo e seus algozes.
É também sabido que sempre que estes nomes eram divulgados nas missas domingueiras, andavam desde logo nas bocas das “línguas puras”, sim essas que não saíam das filas para a comunhão, durante toda a semana.
Por outro lado, o padre “Melro”, como era conhecido o reverendo Manuel Joaquim Gomes, apesar de constantemente criticado em surdina, raramente era contestado, com medo das represálias que daí poderiam advir, contudo vamos recordar um episódio que me parece digno de ficar para a memória colectiva deste povo.
Tinha chegado à freguesia, mais propriamente ao lugar de Crasto, Abeilard Morais, recém-chegado de Angola, onde se tinha aposentado do posto de Chefe do Posto Administrativo, foi instalar-se na Quinta de Júlio Pereira Pinto, ali bem perto do Largo da Cruz de Pedra.
Depressa se fez passar a notícia da sua chegada, não era pessoa de muitas conversas, procurando muitas vezes os seus amigos de confiança, Aníbal da Cruz, o bota dos Alfanados, o professor Nascimento e pouco mais.
Era uma pessoa que gozava de um respeito, que invejava muitos que tantos se esforçavam por conseguir esse estatuto e morreram sem o conseguir.
Uma certa manhã, apareceu na sua casa em Crasto, a comissão fabriqueira da Ribeira com um abaixo-assinado para levar ao Bispo de Braga, propondo o afastamento do padre “Melro” desta freguesia.
Depois de ler com atenção, proferiu a sua opinião que soou ao ouvido dos proponentes como uma sentença; Dizia então : Não assino! Quando o foram chamar para cá, eu não fui consultado, nem me pediram a opinião! Alem do mais, Este já o conheço, sem muito bem como lidar com ele; Outro que para cá venha ainda tenho de o estudar, por isso não vale a pena!
Sem argumentos perante tão incisiva resposta os acólitos da igreja retiraram-se deixando cair o propósito de “ escorraçar “ o padre, que acabou por terminar os seus dias nesta freguesia muitos anos depois deste episódio.